por Patricia Sant'Anna
O mundo está em franca transformação, por isso, resolvemos falar sobre esse novo cenário em um só texto, para que possamos juntos perceber o que realmente podemos, ou não fazer nessa inédita realidade.
Sabemos o quanto a pandemia mudou o mundo da moda, de presença digital obrigatória ao boom das falas sobre NFTs, blockchains etc. Mas vamos entender um pouco as frentes em que isso acontece? Esse texto é resultado das pesquisas da Tendere no campo da indústria criativa, especialmente, aqui, falaremos da moda ao longo da pandemia. O que fica e o que vai embora após a pandemia? Em que devemos realmente investir? Como será o futuro da moda enquanto expressão simbólica (cultura e sociedade) e enquanto mercado (finanças e economia)? Vamos explanar sobre algumas ideias já concretizadas.
Crise como motor de transformações
Todo período de crise fomenta desafios e nos força a sair dos lugares acomodados que estávamos, no entanto, isso não quer dizer que as ideias e tecnologias que vamos apresentar são exclusivamente desenvolvidas na ou para a pandemia, ou por conta da pandemia, é importante você saber que todas fazem parte de processos longos de estudos e pesquisas que foram impulsionados pela necessidade do momento. Produção de conhecimento, ciência, tecnologia, técnicas e aplicações não são feitas do dia para noite. A Tendere acompanha de perto e por isso traz aqui algumas dessas novas práticas.
Hoje, o mundo da moda necessita se unir a cientistas e engenheiros para que sua execução aconteça, isso não quer dizer que o universo da criação foi banido, pelo contrário, novos instrumentais expressivos, novos suportes e vias de se comunicar com seus clientes e parceiros foram estabelecidos. A crise trouxe um alargamento do mundo da moda, e não um estreitamento. Mas falar de moda e suas relações com o mundo digital é uma coisa muito ampla e vamos focar aqui em alguns aspectos, são eles: falaremos sobre a presença digital obrigatória de qualquer marca para continuar existindo, e também das novas soluções, que, ou aceleram processos que já existiam, ou vem solucionar novos problemas. Dentro de cada uma dessas duas grandes áreas tentamos resumir tudo o que identificamos como mais relevantes.
Presença digital obrigatória
Logo que a pandemia começou, a Tendere avisou - e não só nossos clientes, mas toda a comunidade da economia e da indústria criativa - que a presença digital era o item número um para sobrevivência no mercado. Nem todos ouviram, muitos foram reticentes, e quanto mais esperavam, pior o cenário foi ficando. No entanto, nós sabemos, presença digital é uma definição ampla, em que cabe desde ter um simples site institucional até estratégias complexas de publicidade digital super segmentadas, passando por investimentos em novos produtos digitais, aplicativos, inteligência artificial etc.
1. Sites e Redes Sociais: site institucional ou e-commerce? Eis a questão! Ao longo da pandemia vimos muitas 'receitas' para aparecer mais, para se vender mais, mas na verdade, comprovamos isso com nossos clientes e também com o mercado: não há receita para se ter o marketing digital perfeito. O que super funciona para uma marca, simplesmente não funciona para outra. Isso se dá porque é a partir do conhecimento aprofundado de seus clientes, bem como de seu tamanho e capacidade de administrar sua presença, que você consegue realmente estabelecer um planejamento que seja eficiente em termos de imagem e de vendas.
Um mar de lives. Fazer live (em qualquer plataforma) se tornou uma obrigação e, por isso, um grande problema para marcas que não 'engrenaram' nesse formato. Lembre-se: a internet, sobretudo as redes sociais, não tem regra. Tudo depende de sua intenção e do tipo de relação que você estabelece com seus clientes. Sim, qual é a intenção do seu negócio naquela rede social? Quais clientes estão ali? O que eles vem fazer nessa rede social? Quer entender um pouco mais, vamos mastigar para você: lembre-se da vida antes da covid-19, você frequentava restaurantes, bares, fast foods, parques, padarias, shoppings, praias, bairros etc., mas em cada lugar você estava buscando coisas diferentes. Portanto, você não é o mesmo consumidor em cada um desses lugares, certo? O mesmo acontece no mundo digital, sobretudo nas redes sociais. O que você espera ver quando entra no TikTok não será a mesma coisa do que você busca ao navegar pelo Facebook, Instagram, LinkedIn, Twitter, Pinterest etc. Em cada lugar você se comporta de um jeito? Seu cliente também. As perguntas certas são: onde o cliente espera te encontrar? E o que ele espera de você nesta rede?
Redes sociais: preciso estar em todas? A pergunta que não quer calar, e que todos, todos os clientes da Tendere, em algum momento, nos perguntaram... e a resposta é não. Mas como escolher? Voltamos a mesma resposta: conhecer o seu cliente, o seu produto, a sua capacidade de administração da comunicação digital.
2. Fotografia de moda: atire a primeira pedra quem não se apaixonou por moda por meio da fotografia... sim, uma das armas mais poderosas para propagar a imagem de uma marca continua sendo a fotografia, as revistas perderam um pouco seu espaço, mas a foto de moda continua firme e forte no instagram e e-commerce. E isto se dá desde o início da hsitória da fotografia. Com a moda, a fotografia deixou de ser apenas registro e passou a ser espaço de experimentação e expressão estética (um exemplo? Man Ray). Mas como fazer uma produção de fotografia nessa situação pandemica. O mundo se ampliou e se abriu para novas possibilidades, ao longo da pandemia, vimos donos de marcas virando modelos e fotógrafos para expor seus produtos. Mas talvez uma das coisas mais relevantes foi perceber que para a marca não ser esquecida - já que o nível de consumo caiu vertiginosamente na pandemia - a imagem fotográfica se revelou o melhor e mais fácil meio de ficar fixo na mentalidade (ou no mindset) dos consumidores.
O desafio "Jacquemus at home" lançado pela marca Jacquemus, por exemplo, foi uma bem sucedida campanha em que celebridades, influenciadores e pessoas comuns congregaram criatividade em tempos pandêmicos.
3. LookBook Digital, Desfiles Digitais e Fashion Films: mostrar a coleção de um jeito acessível, possível e seguro, foi assim que muitas empresas passaram a pensar obrigatoriamente com a pandemia. Mas algo bem importante de se notar, foi que esses formatos, que já existiam antes da pandemia, passaram a ser fundamentais para a sobrevivência das marcas. No Brasil verificamos que o uso do LookBook Digital por meio do WhatsApp foi fundamental para vendas no atacado e no varejo. Áreas como a de revenda de folheados/semijoias, que são construídos com muito apuro na relação pessoal e personalizada das revendedoras com as clientes, foi adaptada ao mundo digital via esse aplicativo.
Os desfiles digitais já foram executados no relançamento da marca Halston, em 2008, mas foi agora, na pandemia, que eles ganharam bastante destaque. Afinal, ninguém quer perder a aura do glamour e do frio na barriga de um lançamento feito à maneira que todos esperam do mundo da moda: o desfile. Eles podem ser vistos em qualquer lugar, e quando feito em cromaqui, como o exemplo abaixo da Shanghai Fashion Week temos uma riqueza de possibilidades para criar espaços incríveis de cenários.
Os Fashion Films já foram febre antes da época da pandemia, e ao longo dela, ao contrário do que se imaginava, eles não cresceram tanto, pois exigem produções mais caras que fazer um look book ou um desfile digital. Por vivermos um tempo em que as empresas precisavam a todo tempo repensar seus custos, o fashion film acabou ficando em último lugar na escolha de muitas marcas. No entanto, quem investiu nesse formato, investiu em ser lembrado, em trazer uma história de conexão com os clientes (trabalhou o simbólico da marca mais profundamente). Trata-se de uma estratégia de marketing poderosa para fortalecimento da marca (branding).
Novas soluções
Neste quesito temos tecnologias que transformam a maneira de pensarmos a moda (ou o mundo da moda) totalmente. Por exemplo, novos têxteis, impressoras 3D, vestuário digital (colecionável), entre outras mil formas de pensar que foram (e são) revolucionários, pois até antes de ontem, falar de moda era falar de roupas feitas em tecidos... isso ainda continua, e talvez sempre continuará, mas há novas formas de criar a aparência em tempos de vida digitalizada: novos materiais, novos suportes, novas propostas, enfim, novas soluções.
1. Tecidos: tecnologia têxtil de ponta sempre foi compreendida como algo ligada, ou ao universo da saúde, ou dos esportes. Com a Covid-19 as empresas de moda passaram a buscar e aplicar tecidos que são antivirais e antibactericidas, inicialmente em máscaras, mas rapidamente também em peças de vestuário, especialmente tops e acessórios de cabeça (chapéus e bonés). Foi necessário uma crise sanitária para que as empresas de moda olhassem para essas tecnologias (sim, elas já existiam há um bom tempo) e aplicassem em peças e coleções. A moda que traz segurança e saúde às pessoas, em momentos de pandemia. Essa é uma tendência que se confirmou e que não deve mais 'sair de moda'. Roupas que trazem segurança sanitária é uma busca por todos, especialmente para públicos de terceira idade e infantil.
2. Impressão 3D: uma tecnologia já tradicional, que existe há algumas décadas, ajudou durante o combate à Covid-19, na produção de EPIs, sobretudo, no início, quando foi um momento mais crítico, no qual faltavam materiais. A impressão 3D já era usada na moda, especialmente para se fazer protótipos na indústria calçadista e joalheira (incluindo aqui bijuterias, semijoias e acessórios em metais). Mas com o distanciamento social, indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para se trabalhar de maneira segura, trabalhar a distância na moda exigiu equipes se relacionando remotamente, e para isso, muitas vezes, os testes em impressoras em 3D ajudaram nos processos.
Houve também marcas que executaram os produtos em impressão 3D, para pequenas escalas, ou mesmo, só produzindo a partir da compra ('puxando a produção'), em materiais que facilmente poderiam ser desinfetados como plásticos e metais. As peças feitas em impressoras 3D tornaram-se seguras e sustentáveis, afinal, só se produz aquilo que já foi comprado. Um exemplo é a marca de Diana Law que cria acessórios que são feitos em impressão 3D, isto é, trata-se de produto final, e não prototipagem.
3. Moda Digital para utilização no mundo digital: roupas feitas a partir de programação, sem tecido ou qualquer elemento matérico. São concebidas e criadas para os ambientes digitais, os quais cada vez mais vivenciamos. Estas peças podem também ser usadas a partir de uma experiência digital de realidade aumentada, e em universos virtuais inteiramente criados para essa vivência. Parece distante? Parece ficção científica? Mas não é. Já é tudo realidade e pode ser usado por mim ou por você. As roupas digitais não só existem, como estão a venda por valores de alta costura, e mais, já existe brechó de roupas digitais, sim, você comprou e já enjoou? Pode revender. Se já há revenda, é melhor saber um pouco mais sobre esse assunto, certo?
Por favor, não caia no velho "isso não rola ainda no Brasil"... Isso é assunto no qual os brasileiros estão envolvidos, e não estamos atrasados, pelo contrário. Aqui temos uma semana de moda dedicada a novas experiências digitais e tecnológicas, e essas experiências com uma moda digital fazem parte, é a BRIFW, Brazil Immersive Fashion Week. E estilistas brasileiros estão envolvidos com propostas criativas muito interessantes e promissoras como Lucas Leão.
As tecnologias para se criar essas roupas não são novidade, mas elas aproximam a moda de algo que aconteceu com as artes no final do século passado. Com o alargamento do conceito de arte, diversos artistas mergulharam em tecnologias variadas e as usaram (e ainda as usam) como suporte de seus debates estéticos-artísticos. Foi assim que nasceu a new media art, game art, a bioarte, a land art, entre outros mil desdobramentos que usam desde o território físico paisagístico até a internet, passando por experiências com DNA, telepresença entre outros suportes para se propor e se debater, a partir da arte, o mundo em que vivemos. A moda, no século XXI, sobretudo após a pandemia, alarga seu conceito e faz diálogos com outras frentes de conhecimento, propõem diversas experiências, como criar a partir da biotecnologia ou da programação. Aqui vamos destacar apenas a conexão com o mundo digital, mas há muito o que se debater e apresentar sobre outros caminhos para a moda, para além dos tradicionais.
Os vestuários digitais já chamam a atenção de marcas tradicionais desde as skins - roupas para venda e uso em ambiente gamer - desde 2019 (coleção da Louis Vuitton, você se lembra?). Basicamente, são experiências para os avatares dos jogadores. O próximo passo para as marcas neste mundo criativo digital são roupas digitais. Isto significa criar vestes para as pessoas usarem em suas experiências digitais. Essa tecnologia também não surgiu em tempos de pandemia, as marcas antes da pandemia já experimetavam essas propostas (Gucci, por exemplo, com seus sneakers digitais). Mas, em tempos de pandemia, ganharam destaque, pois, é uma solução para se evitar o contato físico. Com a intensidade da vida digital, e confirmação de que não voltaríamos a ser como antes, vimos designers e marcas procurando novas formas de solucionar a problemática clássica que a moda soluciona: a construção da aparência social. Para entender os diversos usos vale ver a entrevista da estilista congolesa Anifa Mvuemba, ao Wall Street Journal (WSJ): "Anifa Mvuemba on Fashion's 3D Future".
Segundo Kerry Murphy, CEO da The Fabricant (marca de moda exclusiva de vestuários digitais): “as marcas já estão procurando formas radicais de redefinir sua cultura e operações para uma mentalidade mais digital”. E isto significa vestuários e experiências completas no mundo digital.
Uma dúvida pode estar te assombrando: Como garantir que uma peça não será copiada com facilidade? Por meio de sistemas que garantem as peças digitais como únicas, por exemplo, o blockchain. As marcas de moda chegaram atrasadas, segundo Marjorie Hernandez, fundadora da Luckso, empresa dedicada a blockchain para empresas criativas (arte, design e moda), em matéria de 16 de abril da Vogue. Só durante a pandemia, a moda passou a procurá-la para compreender e saber como fazer parte deste universo. Hernandez simplesmente informa: qualquer coisa feita digitalmente (artes, design, música et., incluindo moda) pode ser transformada num NFT exclusivo, com propriedade registrada, em um blockchain.
Pensando ainda em moda digital para um mundo digital, nada melhor, em tempos de pandemia que fazer campanhas com modelos que são modelagens 3Ds. Algumas são feitas a partir de imagens de modelos reais com alterações pontuais, outras seguem uma estética de mangá ou de personagens de games variados. Em comum, são todas ficção de um mundo digital trabalhando na e para a moda. Essas modelos virtuais se inserem em tecnologia 3D e são criadas para campanhas específicas ou mesmo para editoriais (por exemplo, a campana da Balmain, e o editorial, incluindo capa, da Vogue Austrália).
4. Aplicativos específicos para moda: há diversos aplicativos que o mundo da moda usa como Instagram, WhatsApp, Pinterest etc., mas durante a pandemia, houve um crescimento da relevância não só do uso, mas também de novos aplicativos, com funcionalidades e gameficação para os amantes da moda. Podemos destacar WEAR, onde os usuários postam os looks do dia. Verificar a mudança de comportamento ao longo da pandemia deu ótimos insights e ideias criativas para as marcas e criadores de moda. Já dentro da lógica de game podemos destacar: Covet e Drest, que unem diversos elementos para quem gosta do mundo da moda, como escolha e montagem de looks, criação de styling etc. De certa maneira, os aplicativos de fashion games não são novidade, eles só se tornaram mais relevantes ao longo da pandemia, porque era uma maneira de se divertir e colocar em ação os valores e práticas da moda que as pessoas mais gostam. Outro elemento importante é que peças de vestuário, calçados e acessórios são de marcas de moda reais, e ficam disponíveis digitalmente para se montar os looks. Isto torna, por um lado, as peças relevantes do ponto de vista do estilo (fixando modelos na mente do cliente) e, por outro, marca os valores da fashion brand na memória dos usuários, o que é fabuloso para a estratégia de branding de qualquer marca. O uso dos fashion games aumentou sobremaneira ao longo da pandemia, a Drest, por exemplo, percebeu que houve 50% de aumento de usuários a cada mês.
Transformações na moda a partir de um mundo digitalizado
A moda tem fama de ser inovadora, mas acredito que a máscara caiu, todos (de players a consumidores finais) perceberam, com a pandemia, o quanto a moda estava estagnada, e mesmo acomodada, em uma situação de empurrar produtos, de copiar, de desprezar o mundo digital. Vimos, que não há como a moda se desvencilhar do mundo digital, e que este não vai dizimar o mundo físico da moda, antes vai dialogar, promover e abrir debates sobre esse. O mundo digital cria novas possibilidades expressivas com a criação de serviços e produtos (físicos e digitais) inovadores e necessários em um mundo novo, pós-pandemia, um mundo que exige diálogo, diversidade, e tecnologias que criem um cenário para inclusão de todos.
A presença digital deve ser planejada, feita a partir da sua relação com seus clientes, o seu modelo de negócio deve ser revisto e atualizado. Comece analisando criticamente tudo, do seu site ao seus produtos, passando pelas redes sociais, estratégia de vendas, logística etc. Você achou difícil compreender algumas coisas que citamos aqui? Talvez você também precise se atualizar, e não tem nada de errado com isso. Pelo contrário! Nunca é tarde para aprender, se abra às inovações cotidianas, aprenda sobre programação, blockchain, NFTs, redes sociais, marketing de influência, gameficação, metauniversos, skins, inteligência artificial, bigdata, modelagem 3D, impressão 3D etc. Você não precisa ser especialista, mas é necessário entender o suficiente para poder ver como usar, o quê usar, quais os impactos que esse universo pode trazer para a sua marca (independente do tamanho dela). Bem vinda, bem vindo, bem vinde ao século 21!
Este e outros assuntos serão tratados no 19o. Seminário Tendere, que acontecerá em breve (25 e 26 de novembro de 2021), um evento digital, que falará sobre 2024. Garanta sua inscrição agora, clique no botão abaixo e venha participar conosco e com nossos pesquisadores.